segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Guia para sobreviver em Forno Alegre:


Evite caminhar ao ar livre entre às nove e às dezenove horas, se necessário for, faça uso de desodorante e protetor solar. Escolha uma roupa em tom claro e de tecido leve. Saia munido de garrafa de água gelada. Procure sombra ao caminhar. No caso de usuário de transporte público, escolha ônibus com ar condicionado. Já em caso de cidadão motorizado, na ausência de ar condicionado, abra bem as janelas. Trate de fazer uma economia para adquirir um ar, que deixou de ser artigo de luxo, mas de necessidade básica. Lembre-se de procurar sombra na hora de estacionar.
 Em sua casa, se não há ar condicionado, muitos ventiladores devem ser ligados e vale o mesmo que para o automóvel: trate de adquirir um ar, inverter, por razões de economia e com os BTUs adequados ao espaço, se for necessário, pague em 12 parcelas.
 Na geladeira: frutas, verduras, tônica, jarra com chá ou com água saborizada para o dia, garrafas de cerveja e de espumante para a noite. No frezzer: vodka e polpas de frutas congeladas úteis para preparar drinques e sucos. Além, é óbvio do pote de sorvete, gênero indispensável, com sorvete dentro, claro, nada de feijão congelado! As formas de gelo devem ser sempre abastecidas pelo usuário responsável por retirar as últimas pedrinhas.
Aconselha-se ducha rápida ou banho prolongado várias vezes ao dia, conforme o tempo disponível. Se não tem piscina em casa, nem de plástico, atire-se na do condomínio, na do clube ou na da casa de algum parente ou amigo. Caso seja convidado, aceite imediatamente! Bar ao ar livre é excelente ideia para encontro com a turma. Evite ambiente fechado e não refrigerado.
Seja feliz, curta as fotos no Instagram da alta porcentagem dos amigos que está desfrutando da praia ou do frio europeu. Não se deixe derreter de inveja! Acredite: a cidade pode ser um Forno sem deixar de ser Alegre, basta você se refrescar com agradáveis companhias!

Joselma Noal

Crônica 3 - Oficina Santa Sede de Verão - janeiro de 2019

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Segredos de liquidificador

Gosto de cozinhar, fazer bolos e doces, inventar drinques, sucos e batidas. Mas não aprecio o ficar horas na cozinha, costumo ser rápida e objetiva. Em quarenta minutos tudo deve estar pronto. Para cumprir a meta do tempo curto, os utensílios domésticos são essenciais e entre eles o liquidificador, usado para múltiplas receitas: panqueca, molho de tomate, bolo de cenoura, mousse de maracujá, batida de banana, piña colada.
Nunca pensei que o eletrodoméstico fosse perigoso como uma arma. Após a declaração do atual ministro da Casa Civil, me senti uma mãe negligente: nunca guardei liquidificador em cofre.
Em 1970, a gurizada podia brincar na rua sem medo. Vivíamos em um bairro residencial tranquilo na Zona Sul de Porto Alegre e quando ainda não frequentávamos escola ou em período de férias, fins de semana e feriados, passávamos, meus irmãos e eu, o dia inteiro pela calçada até escurecer ou a mãe gritar os nossos nomes completos. Não havia celular, computador e as horas dedicadas aos desenhos animados na televisão eram poucas, porque a calçada sabia ser muito mais animada! Pega-pega, Esconde-esconde, Polícia e Ladrão, As Panteras, Miss Brasil e Missa. As brincadeiras eram as mais diversificadas e sempre tinha uma briga no final, porque os sentimentos eram vividos de forma intensa.
Certa vez, nosso irmão vestindo a farda de policial, invadiu a nossa casinha de brinquedo, atirando com arma de espoleta. Cabe explicar que se tratava de um diminuto espaço de madeira pintado de cor de rosa com janelas brancas, onde tinhamos confiscado muitos pertences da cozinha de casa. Após levarmos muitos tiros, começamos a jogar todos os objetos que estavam ao nosso alcance com força na cabeça da autoridade. E assim quebramos o liquidificador novo da mãe, o que rendeu ferida grande na cabeça do atirador e castigo para todos de uma semana. E, claro, fazia parte do pacote, ouvir todas as noites, durante os sete dias, do pai e da mãe: sermões, palestras, discursos (não sei bem como nomear) sobre paz, amizade e tolerância.
Sim, o ministro tem toda a razão: liquidificadores e armas são igualmente perigosos. Mães e pais, por favor, fiquem atentos!

Crônica 2 - Oficina de Verão Santa Sede - janeiro 2019

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

As lambidas de Richard Gere



Joana pediu demissão em uma segunda-feira de manhã. Era janeiro, temperatura em torno de 34 graus e sensação térmica de 38. Cansou do café de garrafa térmica da escola, da companhia dos falsos colegas, do despertar às 6h30min, do ônibus das 7h, dos alunos, dos pais, dos boletins, dos conselhos de classes, dos cadernos de chamada. Teve até festa de despedida no fim da tarde, salgadinho barato com Coca-cola. Nada mal, afinal ela nem esperava, ficou uma gota comovida e muitos litros aliviada de não precisar voltar na manhã seguinte para ouvir as repetidas palestras motivacionais de homem sem braço, sem perna, tocando instrumento musical, a conversa sobre a tal resiliência e blá, blá, blá.
De noite com as amigas brindou, com muitas cervejas geladas no Apolinário, à vida nova! No dia seguinte já começou a elaborar o material didático para o curso de ensino a distância. Grana boa para trabalho a ser realizado em casa. O prazo para o envio não a aborrecia, ao contrário: assim ela se organizaria melhor.
E tudo corria bem para Joana que vivia sem horário para despertar, para dormir, para comer, até o dia em que se encantou com o cachorrinho encontrado na vizinhança e resolveu adotá-lo. Os dias não eram mais tão livres, porque o animal exigia atenção, passeios, água, ração, banho, tosa, vacina, vermífugo, visita ao veterinário. Ufa! O cão dava bastante trabalho, muito mais que a elaboração dos materiais didáticos.
Joana foi se adaptando ao Richard Gere, o poddle peludo enchia sua vida de xixi e lambidas. Um dia caminhando pelo bairro com o cão encontrou o vizinho que tinha uma cadela de mesma raça. Entre conversas e sorrisos, combinaram a cruza do Richard Gere com a Lilica. Papo vai, papo vem, iniciaram namoro e sexo antes dos caninos.
Quando se deu conta, Joana já tinha horário para dormir, acordar, fazer as refeições, sem deixar de reservar espaço na agenda para o encontro mensal com as amigas, onde sempre havia um brinde à nova vida!

Joselma Noal

Crônica 1 – Oficina de Verão Santa Sede janeiro de 2019