quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Vergonha da reforma educacional brasileira para o ensino médio

Escrevo com indignação e com tristeza, professora de Língua Espanhola e doutoranda em História da Literatura, sinto-me invisível no novo e absurdo projeto imposto e, não proposto, pelo governo brasileiro. Atuo como professora, pois sou licenciada em Letras, fiz mestrado, faço doutorado, e vejo minha profissão, que já andava desvalorizada em nosso país, desaparecer de vez, porque, de acordo com o novo modelo educacional, não precisa formação superior em licenciatura para ser professor, basta comprovar conhecimento na área específica, ter o chamado “Notório Saber”. Uma vergonha!
É indiscutível que a educação brasileira carece de reforma há muito tempo, está enferma e pede socorro, no entanto o projeto educacional atuará como uma injeção letal. A mudança exclui, além da língua espanhola (sobre a literatura nada é mencionado, como se a disciplina jamais existisse) a educação física, as artes, a filosofia e a sociologia.
A língua espanhola é a mais escolhida pelos estudantes no ENEM, tornou-se obrigatória no ensino médio em 2005, lamentável ser desconsiderado o idioma falado pelos nossos vizinhos. A filosofia e a sociologia ignoradas, afinal melhor criar alunos menos críticos, sem protestos e sem invasão escolar para discutir temas sociais. A educação física e as artes, disciplinas que tratam da saúde física e mental, também desprezadas. Uma vergonha!
O aumento de carga horária não resolverá em nada a problemática educacional, o governo deveria, sim, era priorizar a qualificação de seus professores e incentivar o ingresso às licenciaturas, em lugar de permitir a entrada ilegítima de qualquer profissional na sala de aula, espaço desrespeitado, aniquilado, invadido por notórios saberes. Uma vergonha! 
A exclusão do horário noturno só comprova o interesse do atual presidente: impossibilitar o ingresso no ensino médio de pessoas de baixa renda, que necessitam trabalhar durante o dia. Trata-se de um governo excludente e inflexível, tendo em vista a inexistência de uma discussão sobre o plano educacional com profissionais qualificados e especialistas na área. Uma vergonha!

Diante do plano de educação para o ensino médio, só me resta desejar um minuto de sensatez para os responsáveis por algo tão insano! Quem sabe refletem, consultam à sociedade, repensam e não façam entrar em vigor um projeto reducionista, discriminatório e ineficaz.

Publicado no Jornal Zero Hora, 15 e 16 de outubro de 2016, p. 30.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Carta aos estudantes


     Quero expressar o meu orgulho e a minha admiração por vocês, que estão aí ocupando as escolas públicas manifestando-se, ao lado dos seus professores, contra a situação atual da escola pública no Rio Grande do Sul.
            Devo dizer que também estudei em escola pública no segundo grau (como era então chamado o ensino médio), isto foi lá nos anos oitenta, e naquela época já havia muitos problemas como falta de professores e greve por melhoria salarial. Lamentável ver que os problemas se agravaram...
            Outro dia, passei na frente da minha escola, e senti uma tristeza profunda ao ver o estado em que se encontra: depredada, suja, esquecida pelo poder público.
            Mas quando penso que vocês estão aí dentro das escolas, lutando e apoiando os professores, penso que ainda resta uma gota de esperança para o nosso país, para o nosso estado, para a nossa cidade. Estamos diante de uma geração crítica, cidadã, livre de preconceitos, corajosa e ética. Quem sabe no futuro teremos outros representantes no poder? Quem sabe vocês conseguem mudar de verdade nosso estado, nosso país, nossa cidade?
            Confio em vocês, confio no poder da união do povo, naquele velho e desgastado dito popular de que a união faz a força. Penso que juntos podemos fazer algo para tornar o mundo melhor e por isto, um dia, escolhi ser professora, por acreditar no poder da educação. Digo e repito: a transformação do ser humano virá somente por meio da educação!
            A escola, apesar de todos os pesares, de todos os governos, tem construído um legado, tem formado bons cidadãos e a maior prova está aí: vocês estão na escola, vocês não se calam diante do caos! Sabem argumentar, sabem fazer política estudantil de forma honesta, coerente, correta, respeitosa!
            A ideia da ocupação está se espalhando pelo Brasil afora, é uma atitude comovente e tenho certeza que faz crescer a esperança dentro do peito de cada professor que anda desiludido com a sua profissão tão desvalorizada em nossa sociedade.

            Boa sorte para vocês, queridos estudantes, na ocupação e na vida! Sigam assim: sujeitos críticos, éticos, livres de preconceito, valentes e justos, lutando com dignidade, porque é desta forma que construiremos um mundo melhor! 

Publicado no Jornal Zero Hora, 31/05/2016, p. 21

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Para as mulheres brasileiras e sem recato

Tenho muito orgulho da minha família! Meus pais educaram a mim e aos meus irmãos para sermos éticos, honestos, trabalhadores, independente do sexo. Minha irmã e eu não fomos ensinadas ou treinadas (ou seria melhor adestradas?) para nos tornarmos mulheres belas, recatadas e do lar. Funcionou muito bem, somos mulheres independentes e batalhadoras.
A matéria sobre a esposa do Temer na revista Veja, por sorte, não me representa, nem me causa nenhuma mísera gota de inveja ou admiração, tampouco a maioria das mulheres com as quais convivo, todas buscam seu espaço na sociedade, defendem seus pensamentos, lutam por um país melhor, exercendo suas profissões.
Houve muito investimento na minha família em educação e muita conversa para a formação de valores humanos. Nunca fomos incentivadas a seguir padrão de beleza algum. Lembro a admiração dos meus pais, quando eu quis, aos dez anos, cortar o cabelo bem curtinho, era um desejo meu e foi atendido sem problemas. Não sei se houve boato, se eu tinha piolho ou se eu era homossexual, para esclarecer: eu não tinha piolho (tive, mas não nesta ocasião) não sou homossexual e se fosse tenho certeza que minha família aceitaria, porque a preocupação sempre foi com estudo, ética e dignidade, livre de preconceitos. Assim penso e me encho de orgulho.
O Deus que respeito e venero, não é o citado no domingo fatídico da votação do impeachment, meu superior é outro! O meu prega a liberdade, admira a Maria Madalena e desconsidera o modelo de mulher bela, recatada e do lar. Não quer violência, deseja propagar a paz e jamais prestaria homenagem ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Deus é, sim, tolerante e misericordioso, não obstante jamais aplaudiria a crueldade!
Assusta-me o pronunciamento do nome de Deus em vão, me assusta o modelo de mulher que desejam impor, me assusta o futuro do país! Não quero, nem nunca serei recatada! A propósito, me parece tudo tão antigo nos últimos dias, a sensação de que o Brasil caminha de ré. Preparem-se o retrocesso aproxima-se... As mulheres recatadas já existiram, em sua maioria, em séculos passados. Época em que mulheres deveriam aceitar caladas a traição de seus maridos e acreditar na fala comum, repetida de que a natureza masculina era outra, diferente da mulher. Fidelidade era algo atribuído apenas ao gênero feminino. Que triste, mal sabiam elas: era tudo culpa do maldito recato, que lhes fora imposto e não fora questionado! Nem todas aceitavam, mas a maioria feminina calada e infeliz mantinha-se casada por depender financeiramente dos maridos. Sem falar na violência doméstica que, infelizmente, sempre existiu, houve tempos ainda mais difíceis, os anteriores a lei Maria da Penha. Bom ter nascido em outro período, porém me aflige pensar o quanto ainda precisaremos lutar, porque a violência contra a mulher segue. Basta pensar na agressividade sofrida pela presidenta nos últimos meses e nas mulheres contrárias ao impeachment no momento da votação no domingo, as vaias e as ofensas recebidas.

Bem, continuemos unidas, mulherada sem recato e batalhadora, afinal a luta por uma sociedade igualitária e justa continua e o Brasil precisa de gente forte e guerreira. As recatadas que fiquem em casa tomando chá, enquanto nós nos ocuparemos da reconstrução de um Brasil melhor. 

domingo, 10 de janeiro de 2016

OS FILHOS DA BABÁ

     Li com tristeza a matéria Cuidado terceirizado na Zero Hora, quinta-feira, 7/1, p. 24-25. Tristeza esta que move este texto.
     Pertenço a uma geração de mulheres trabalhadoras e bem-sucedidas, do que muito me orgulho! O que não entendo e me entristece é o sentir-se obrigada a ser mãe. Admiro minhas amigas que decidiram pelo ser mãe de forma consciente e responsável e também admiro aquelas que optaram por não serem mães, por não sentirem este desejo. Nas redes sociais tenho lido muito a respeito do não sou obrigada. Acho perfeito: ninguém é obrigada! Mas por que as mulheres sentem-se obrigadas a serem mães? Não vejo outra justificativa para a terceirização dos filhos! Pressão social, familiar, status? Querem enfiar lacinhos nas meninas e shortinhos coloridos nos meninos e levá-los para passear nos parques ensolarados para postar foto no facebook como família feliz? Que palhaçada, mulherada! No entanto, não querem a cólica, a dor de dente, o dia a dia do educar? Filho é uma escolha e no momento que optarem pela maternidade, o façam com a mesma competência que buscam como profissionais em seus ambientes de trabalho. De que serve ter uma mãe mega-empresária, podre de rica que nem sabe qual o brinquedo favorito do filho? Mãe tem que ser presente! E não me venha com esta de qualidade! É impossível ter qualidade se não são capazes de levarem o filho ao pediatra! Mães de fachada, mães de mentirinha! Que vergonha dessas mulheres! Querem encher os filhos de grana, querem que estudem nas melhores escolas, mas cadê o afeto? Me assusta pensar que teremos um futuro de adultos mal amados, cheios de dinheiro e vazios de afeto, ocos de amor de mãe! Pobre gente!
     Não vejo mal algum em contar com a ajuda de avós e de babás, é importante e necessário. O que não pode haver é a substituição da mãe, como bem disse o pediatra José Martins Filho em entrevista a Zero Hora. As babás ganharam o espaço de mãe, conhecem mais as crianças que os próprios pais, assumiram a educação total! Da baixa frequência de pais em reuniões escolares eu já sabia, já presenciei como professora e como mãe, no entanto a do consultório médico para mim foi uma revelação assustadora.
     Mulheres, se o desejo de ser mãe não as atingir, façam um bem a humanidade e não tenham filhos, não engravidem para agradar familiares e amigos e fazer lindos books de barrigão, pensem em vocês mesmas! Sejam conscientes e responsáveis, maduras o suficiente para refletir se querem doar um tempo precioso de suas vidas ao seu filho. Não se iludam: filhos dão trabalho e em qualquer idade! Se não estão dispostas à renúncia alguma não se tornem mães fajutas, sejam verdadeiras e leais consigo mesmas. Mãe é vocação, não obrigação! 

Publicado no jornal Zero Hora, 9 de janeiro de 2016.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

SAÚDE

     
   
     

     Nada como alguns dias entre idas e vindas no hospital para enxergar a vida de outro jeito. Frase lugar-comum, mas tão verdadeira! Eu não estava na condição de paciente, mas de familiar! Meu pai agora já está em casa, após um período de internação. Fico imaginando como é bom voltar para casa! Que bom pai, o senhor poder dormir na sua cama, esticar-se no seu sofá, diante de sua tela de tevê gigante e com inúmeros canais de esporte... Obrigada, Papai do Ceú!
     Mas tô com o hospital entalado na garganta e preciso escrever para lembrar ou para esquecer, sei lá! No espaço hospitalar as pessoas não tem nomes, só os pacientes são nomeados! Conversei com um bocado de gente, de poucas soube o nome, porém ouvi histórias, contei outras, distribui sorriso e esperança, tentei ser boa. Na UTI são sempre os mesmos visitantes e a gente vibra ao saber que algum familiar vai para o quarto e sofre junto com aqueles que permanecem ali. Na UTI conheci o velho carrancudo, que deve culpar Deus e o mundo pela enfermidade da mulher, ele nem sequer cumprimenta no corredor, olha pra dentro preocupado em engolir sua dor. Deve sofrer tanto que nem se dá o trabalho de perceber a dor dos outros. Pobre homem! Conheci também a família do Bruno de 19 anos e que seguia na UTI. Espero que logo o Bruno vá para o quarto, melhore, volte pra casa e ganhe o mundo! A família do Bruno é de pessoas humildes, do interior, se não estou enganada, de Bagé. Todos os dias lá estavam: avós, mãe e pai. As avós do Bruno sempre sorrindo, sentadas no sofá da recepção do Hospital Santa Rita, sempre respondem no mesmo tom sobre a saúde do neto: tá melhorando, vai ficar bem! Uma esperança no olhar capaz de comover ao mais duro dos viventes. Pena o velho carrancudo nunca ter visto, apesar de muitas vezes ter ficado ao lado delas na porta de entrada da UTI. Que sorte a minha ter visto e ter conversado com as avós. Porque avós sempre me emocionam, tem uma energia diferente, um amor que transborda, avó é obra de Deus!
     Desbravei o hospital labiríntico com a minha mãe, nunca tinha percebido o quanto é grande a Santa Casa: tem centro cultural, bistrô, capelas, restaurantes, lancherias, banca de livros e revistas, bancos! E tem Banco de sangue, é claro! Ao postar no face pedido de doação de sangue pro meu pai, veio ajuda de quem sempre se espera e de quem nunca esperei. Gente que poderia e nada fez. De surpresas e de decepções é feita a vida também! Prefiro guardar as surpresas e tentar esquecer decepções...
     Corri muito atrás de enfermeiro no quarto andar, poucos funcionários para um corredor gigante. Os enfermeiros passam se desculpando, por uma culpa que não lhes deveria pertencer. Enfrentei médicos que falam medicianês, nunca pesquisei tanto no google e descobri que falam assim para que ninguém entenda mesmo! Médicos experientes, às vezes, sabem ser grosseiros e confesso: não meti um tapa na cara de um, porque ainda tenho um certo controle emocional. Por sorte ainda tem médico alto astral e querido, até mesmo entre os experientes, são mais escassos, é verdade... Os residentes, assim como as avós, também são obra divina, espero que não mudem com a experiência, tomara que os anos não tirem o afeto da voz dos doutores em formação!
     E no início de 2016 o que posso desejar a todos e, principalmente, ao meu pai é saúde, esperança e fé!