sábado, 26 de março de 2022

Sou de Porto Alegre

 





           

        Podemos morar em outras cidades, dividir a vida entre dois ou mais lugares, estar sempre entre estradas ou aeroportos, mas acredito que pertencemos de verdade a um único porto. No meu caso, o porto é alegre. Nem sempre tão alegre, porém ter o nome é bonito e otimista. Nem tudo são flores, na capital do Rio Grande do Sul, apesar de muito florida e arborizada. Escolho, no dia de seu aniversário, escrever ressaltando as suas belezas.

          Voltei a viver em Porto Alegre, no início de 2018, após um período de morada pelo interior do RS que já completava quinze anos. Me sinto um pedaço erexinense, um pedaço rio-grandina, no entanto, sei que completa mesmo sou é de Porto Alegre.  

        Percebo o quanto a cidade me habita quando escrevo. A ambientação pode ser qualquer uma para o leitor, porque, de modo geral, o espaço não aparece delimitado de modo explícito nas minhas histórias, mas no meu imaginário está sempre a minha Porto Alegre.

            A Porto Alegre onde cresci, em um bairro afastado do centro, na zona sul. Penso até que deveria incluir no meu curriculum lattes que fui Princesa da Festa do Pêssego da Vila Nova (pausa para a risada), porque foi um gesto de amor pela cidade e pelas minhas origens. As fotos com vestido e faixa com prefeito e bispo para uma adolescente tinha o peso da fama e também do amor por mostrar a outras pessoas o bairro que o meu bisavô italiano escolheu para viver. Tenho orgulho de fazer parte de uma cidade que planta pêssegos, uvas e ameixas e acolheu imigrantes. Naquele tempo, no final dos anos oitenta, a Festa do Pêssego era realizada na frente do local onde meus pais se conheceram e depois se casaram na igreja São José da Vila Nova. Recordo do quanto gostei da função de apresentar uma Porto Alegre para muitos desconhecida. Falei em rádio e televisão, muitos chegavam na festa e me diziam que vieram pelo meu convite.

      Agora apresento a cidade de outro jeito, através da minha escrita, e aproveito para reforçar o convite para conhecerem a zona sul! Centro Histórico, Bom fim, Cidade Baixa, Menino Deus, Independência, Bela Vista, Petrópolis e outros tantos bairros são encantadores, mas a nossa área rural merece ser visitada! Apesar de ter me mudado para bairro mais central, a zona sul jamais me abandona e meu bar favorito está lá: Galpão 1961. Fica a dica!

E em tempo: Parabéns, Porto Alegre!

 

terça-feira, 22 de março de 2022

Como furar a bolha dos brasileiros brancos da classe média?


 



Outro dia fiquei triste, porque em uma discussão com amiga com quem tenho, ou tinha, muita intimidade, ouvi que eu havia mudado. Fiquei incomodada e argumentei ser a mesma de sempre. Depois de muito pensar a respeito, reconheço não ser a mesma de sempre. Muito em mim mudou mesmo, é verdade!

Estou segura de que a literatura transforma o sujeito, embora a escolha de leituras seja crucial para o resultado de qualquer mudança. Sempre fui leitora, mas demorei a conhecer a obra de autoras e autores negros. Ter lido Conceição Evaristo e Jeferson Tenório, entre outros autores, foi fundamental para desenvolver a minha empatia.

Paralelo à leitura, contribuiu também de modo significativo para o meu entendimento sobre o racismo, o fato de ter ingressado, como docente, em uma universidade federal. Assumo que, até então, não tinha percebido a importância das cotas raciais. Aprendi e aprendo muito com todos os meus alunos e, principalmente, com os cotistas.

Antes do meu ingresso na FURG, escrevi a favor das cotas sociais, contrária às cotas raciais. Na ocasião, morava em cidade do interior do RS, atuava como docente em universidade comunitária, o que não justifica minha postura naquele momento, só demarca a minha ignorância. Deveria ter visto, mas não enxergava, a ausência de negros no espaço acadêmico, não refletia sobre a nossa dívida histórica escravagista. Nunca me havia julgado racista. O fato de ter amigos negros me parecia argumento suficiente para tal afirmação, até perceber que eu não enxergava era nada!

Escrevo para tentar furar bolhas de brancos, classe média, que chamam de mimimi a dor do outro, mencionam empatia em discursos, sem saber o real significado. Tenho tentado fazer algo: lendo e indicando obras de autoria negra; assistindo e indicando filmes e documentários sobre racismo. Deixo algumas sugestões: entrevistas do Roda Viva, disponíveis no YouTube com: Djamila Ribeiro e Chimamanda Ngozi Adichie; documentários da Netflix: AmarElo – É Tudo Pra Ontem e Olhos que condenam. Não menos importante: tenho eliminado da minha linguagem vocábulos racistas e piada preconceituosa não me causa mais graça alguma. Sobre leituras, registro a lista do Jeferson Tenório em Seja um leitor antirracista, publicada no jornal Zero Hora, em 10/06/2021: Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus; Americanah, de Chimamanda Adichie; Parem de nos Matar, de Cidinha da Silva; Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro; Marrom e Amarelo, de Paulo Scott; Cair de Costas, de Ronald Augusto; Um Buraco com Meu Nome, de Jarid Arraes; Os Supridores, de José Falero; Menina de Tranças, de Lilian Rocha; Eu Vou Piorar, de Fernanda Bastos; Terra Estranha, de James Baldwin; O Olho Mais Azul, de Toni Morrison; Pequeno Espólio do Mal, de Luiz Mauricio Azevedo; Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo; Terra nos Cabelos, de Tônio Caetano; Torto Arado, de Itamar Vieira Junior.  Acrescento à lista O avesso da pele, de Jeferson Tenório, Cartas para a minha mãe, de Teresa Cárdenas, Aqui dentro, de Nathallia Protazio e Vozes de retratos íntimos da Taiasmin Ohnmacht.

Finalizo destacando que, se vivêssemos em uma sociedade igualitária, não precisaríamos de cotas, nem de palavra para nomear racismo, homofobia, machismo, feminicídio, mas enquanto ainda moramos por aqui e desta forma, sejamos empáticos.

E, sim, eu mudei e quero seguir mudando sempre! Estou aprendendo com o Raul Seixas a ser aquela metamorfose ambulante! Sinto um alívio em não ter mais aquela velha opinião formada sobre tudo!