terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Precisamos aprender a ouvir a melodia do outro!

          Sou fã do Almodóvar! Desde de que o conheci, acompanho a carreira. Minha paixão data do final dos anos oitenta, quando ingressei no curso de Letras, e pode ser confirmada em 2019, nos ciclos Almodóvar I e II, projeto de extensão do ILA/FURG, coordenado por mim e pelo colega Wellington, igualmente entusiasta e conhecedor da filmografia do diretor espanhol. Assistimos a quase todos os filmes com discussão ao final. Penso que as tardes de cinema e pipoca fizeram a diferença na vida dos estudantes e dos docentes. Das maravilhas que tenho a honra de ter construído com o meu colega parceria dentro da universidade pública, os Ciclos foram, sem dúvida, das experiências acadêmicas mais gratificantes da minha vida.

            Eis que anotei na agenda a estreia na Netflix do Madres paralelas e, apesar de tantas pessoas estarem elogiando, achei decepcionante. Falta elemento surpresa, profundidade no tratamento de temas atuais e relevantes, falta a irreverência e a ousadia do diretor. Estão ali a maravilha do elenco, a paleta de cores que amo (basta conferir com a capa do meu último livro), o figurino. Os primeiros minutos de filme, me entusiasmaram, a relação entre as mulheres mães solo no momento do parto, a sororidade, a relação mãe e filha e o pano de fundo político. Achei que tudo seria perfeito, profundo e enlaçado. Porém, o filme é previsível, trata de muitos temas significativos, promete muito e pouco entrega, é superficial, pincela uma tela que merecia ser um quadro enorme.

            Mas, como de surpresas também é feita a vida, ontem fui assistir um filme, também disponível na Netflix, recomendado por amigos, já sabia que iria gostar só pelo título: O violino do meu pai. O elenco é primoroso, a atriz mirim é puro carisma. O filme é repleto de elementos surpresa, de personagens profundos cujas histórias vão sendo reveladas aos poucos. Nada sobra, nada falta, é perfeito e os diálogos são tão lindos que parei para anotar no bloco de notas do celular, frases para carregar para a vida: Todo mundo é uma melodia; Família é a composição mais linda feita com notas diferentes.

Chorei litros, me emocionei profundamente, porque fala de amor entre pai e filha, este laço tão precioso que nada desune. Quem tem pai presente e amigo, sabe que nunca existirá abandono, nem mesmo a morte desfaz o laço, desprende a conexão afetiva. Com tantos homens que não assumem a paternidade, ver esta figura paternal no filme tão comprometida e amorosa me encanta e me faz também ser grata pelo pai que tive.

Sempre digo que tenho um critério bairrista para avaliar minhas emoções: o número de Bahs! pensados ou exclamados em voz alta ao ler, escutar uma música, ao ouvir uma música ao vivo, ver filme, quadro, paisagem (para citar alguns poucos exemplos: quando vi a Cordilheiras dos Andes, quando pisei em Madrid, quando vi Saturno devorando a su hijo, quando assisti no cinema As sufragistas, quando li Conceição Evaristo, quando ouvi Yamandú Costa). Então perdi as contas dos meus Bahs! ao longo do filme O violino do meu pai. Dou a minha nota máxima de estrelinhas e corações.

            Para mim, o que fica marcado na alma depois de ter visto o filme, é o que sempre digo: o amor e a arte tornam as pessoas melhores. Devemos nos nutrir de afetos e de arte para seguir melhorando e aprendendo a ouvir a melodia do outro. O filme espanhol me trouxe saudade de outras obras do Almodóvar, já o filme turco me trouxe saudade do meu pai que não era músico, mas me ensinou como tocar a vida.